Aproveitando o mês da Consciência Negra, começo este escrito propondo um exercício de observação: No seu cotidiano, onde estão as pessoas negras? Que posições ocupam? Nos noticiários, quais destaques recebem? Nas novelas e produções de entretenimento, a quais personagens estão destinados? Quais estereótipos são construídos e naturalizados em torno da pessoa negra?

Mesmo após 131 anos da “Abolição da Escravatura”, por que ainda às pessoas negras são destinadas as condições mais alarmantes?

Vejamos: segundo dados¹, negros ocupam as atividades com menores ganhos salariais, são maioria nos trabalhos informais e são os mais impactados pela pobreza. Em relação à violência, são expressivamente os mais atingidos. Além disso, o suicídio está entre as principais causas de morte de adolescentes e jovens negros.

Estudiosos do tema que envolve o racismo contra a população negra, hoje trabalham com o conceito de Racismo Estrutural, definido como forma de violência velada reproduzida institucionalmente e culturalmente nos contextos sociais. Ou seja, mesmo que haja a forte reprovação a ideais e práticas racistas, ainda convivemos com a reprodução de desigualdades econômicas, políticas e culturais que atingem diretamente esta população.

Considerando que toda forma de opressão, violência e negação de direitos produz danos à saúde mental da pessoa alvo, diversos são os efeitos causados pelo racismo. Ansiedade, depressão, ataques de raiva violenta – vistos como não provocados -, comprometimento da identidade, distorção do autoconceito são alguns deles. Além disso, atua como importante fator de risco para a dependência de álcool e outras drogas.

De acordo com uma recente cartilha² publicada pelo Ministério da Saúde, o risco maior de suicídio entre a população jovem negra está relacionado ao racismo estrutural, que causa maior sofrimento e adoecimento entre estes sujeitos do que entre os brancos da mesma idade. Associado a isto está o fato de geralmente as queixas raciais serem subestimadas ou tratadas como algo pontual, de pouca importância, acarretando na culpabilização daquele que sofre o preconceito.

Está entre os principais fatores referentes ao suicídio entre os negros: a ausência de sentimento de pertença, os sentimentos de inferioridade e inadequação, a rejeição, negligência, maus tratos, abusos e violências, inadaptação, sentimento de incapacidade, solidão e isolamento social. Se o estigma em torno do suicídio é grande, é ainda maior quando há questões raciais envolvidas.

Importante instrumento de prevenção ao suicídio, o Centro de Valorização da Vida (CVV) é um serviço voluntário e gratuito de apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Os contatos com o CVV são feitos pelos telefones 188 (24 horas e sem custo de ligação), pessoalmente (nos 110 postos de atendimento) ou pelo site www.cvv.org.br, por chat e e-mail.

Ainda hoje, a Psicologia tem muito a se desenvolver no que tange as questões raciais. Raras são as produções acadêmicas que enfatizam os processos e as especificidades do adoecimento e da subjetividade da população negra e nos cursos de graduação o tema é pouco abordado. Dessa forma, a falta de atenção a este problema dificulta a atuação dos profissionais que devem trabalhar para evidenciar o sentimento de dor e os sofrimentos causados pela humilhação e submissão da pessoa negra na sociedade brasileira.

Como tentativa de responder às demandas do Movimento Negro por produções que contribuam para a superação do racismo, do preconceito e das diferentes formas de discriminação, o Sistema de Conselhos de Psicologia elaborou um documento de referências técnicas para a atuação dos psicólogos, que pode ser acessado no link https://site.cfp.org.br/publicacao/relacoes-raciais-referencias-tecnicas-para-pratica-dao-psicologao/.

Para dar conta das especificidades dos processos de adoecimento mental e também de cura da população negra, a “Black Psychology” (Psicologia Preta), vertente do campo psicológico, tem sido resgatada e vem retomando os pensadores negros, historicamente apagados. É considerada um movimento de reafirmação da relevância do pensamento desses pesquisadores e, ao mesmo tempo, um caminho para o desenvolvimento de teorias e práticas para o tratamento das consequências do racismo nas subjetividades negras.

No que se refere ao tratamento individual, a atuação do psicólogo deve começar pelo acolhimento do sujeito que vivencia o sofrimento. Através da fala propiciamos que o indivíduo expresse suas emoções e obtenha alívio e por meio da escuta proporcionamos a possibilidade do sujeito se sentir aceito. A partir daí, pode-se buscar perceber o quanto ele compreende das suas noções de direitos e cidadania. A psicoterapia então se torna uma importante ferramenta, pois permite que o indivíduo reconheça a existência dos seus direitos para que compreenda que é um sujeito de garantias e possa reconhecer as situações em que houve violação destas. No mais, o trabalho seguirá objetivando auxiliar o sujeito no desenvolvimento de estratégias internas e práticas para lidar com as situações conflitantes de forma a garantir sua autonomia e dignidade.

Além disso, hoje existem diversos espaços coletivos que visam o acolhimento das demandas da população negra. Grupos de conversa e reflexão que incluem as questões emocionais são alternativas poderosas de apoio à esta população, uma vez que promovem experiências de pertencimento, reconhecimento, valorização da cultura, etc.

O enfrentamento de qualquer tipo de desigualdade é tarefa de todos. É importante estarmos atentos e conscientes também acerca de nossos próprios preconceitos, não fugindo de nossa responsabilidade na reprodução do racismo em suas diversas formas.

 

 

¹ – CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência 2018. Rio de Janeiro: IPEA E FBSP, 2018.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2018/ IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. – Rio de Janeiro: IBGE, 2018. 151 p. – (Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica, ISSN 1516-3296; n. 39).

² – BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016. Brasília: MS; 2018.

Caroline da Silva Guimarães

Psicóloga - CRP: 05/59738

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